terça-feira, 25 de novembro de 2008

O Doutor Bombeiro

— O Doutor Bombeiro?!...Não, não, não, não. Claro que não. Era o que mais faltava — vociferou com uma cara de pânico nunca vista anteriormente.

— Mas não o quê, Sr. Presidente da Junta? — Questionou a secretária, D. Ermelinda, com um ar atónito.

— Aturar o Doutor Bombeiro?!... Nunca, jamais, rien de rien, e dou-vos um grande conselho : fujam todos e rápido.

A porta estava entreaberta, pois D. Ermelinda, no seu habitual entra e sai no gabinete do Presidente da Junta de Freguesia de Ratazanas de Baixo, raramente a fechava. E por isso não foi de estranhar, que estando o Presidente em pânico com a presença do Doutor Bombeiro, o próprio metesse a cabeça porta adentro e como quem quer a coisa tenha dito:

— Olá, Senhor Presidente, está bem disposto? Não me diga que não me quer receber...Seria uma pena que isso acontecesse...

— Doutor Bombeiro, — cumprimentou o Presidente da Junta, mudando rapidamente de expressão e ficando de repente muito simpático e acolhedor — que prazer em vê-lo. Claro que irei recebê-lo. É um prazer enorme a sua presença neste gabinete. Peço-lhe apenas dois minutinhos, para arrumar alguma papelada.

— Papelada? Que papelada? — Questionou D. Ermelinda, que já não estava a perceber nada.

Como resposta recebeu uma brutal pisadela do Presidente, o que a levou a soltar um enorme grito, que ecoou pelo edifício adentro.

Doutor Bombeiro piscou o olho ao Presidente e recolheu-se ao corredor, esperando pacientemente.

O Presidente sabia que não podia recusar receber tal individualidade, sobretudo porque tinha a consciência de que tinha ganho as eleições graças a um disparate do Doutor Bombeiro. Durante a campanha eleitoral, o principal adversário do actual Presidente estava na praça principal, completamente apinhada de gente, a fazer o discurso e a prometer uma grande surpresa para o fim do discurso. Naquela altura, Doutor Bombeiro, que ainda exercia o seu voluntariado no quartel dos bombeiros, tinha recebido uma chamada para um fogo urbano. Ao enfiar-se com o carro nas ruelas estreitas e tendo-se enganado, foi parar ao centro da praça. Como não conseguia andar nem para trás nem para a frente, face à multidão espalhada, não teve meias medidas: puxou da agulheta principal e toca a varrer as pessoas a jacto de água. A maioria das pessoas associou esta situação à surpresa anunciada (que na verdade era um trio musical feminino), e como não acharam piada nenhuma ao facto de irem para casa todos ensopados, vingaram-se nas urnas, e o actual Presidente, que ninguém conhecia de lado nenhum, acabou por ganhar as eleições, como diz o povo, “sem saber ler nem escrever”. Era esse o favor que ele ainda devia ao Doutor Bombeiro, que após essa situação foi naturalmente convidado a dar de “frosques” e abandonar a corporação de bombeiros local.

Doutor Bombeiro, na prática, é aquilo que habitualmente se chama, na gíria popular, uma figura cromática, que deriva da palavra cromo, que quer dizer, na prática, uma espécie de palerma. Gerado e criado ao Deus-dará, cedo deixou a escola com um recorde invejável de raposas, de fazer inveja a qualquer caçador que se preze.

Sem eira nem beira, acabou por se acolher e ser acolhido no quartel dos bombeiros locais, coisa aliás habitual, não fosse a corporação uma associação humanitária.

E aí começou uma prodigiosa carreira, tendo atingido a lugar de chefe em tempo recorde. Este posto, naturalmente, foi mais atribuído tendo em conta a sua dedicação e disponibilidade do que propriamente a sua competência e capacidade, o que também parece que é comum na corporação.

É claro que este tipo de promoções, feitas com este critério, haveriam de dar resultados a curto prazo.

A começar pelo nome, Doutor Bombeiro. Foi-lhe aplicado pelo pessoal que trabalha no hospital local. Era costume o Doutor Bombeiro entrar pelas urgências com um sinistrado e dar logo instruções ao médico que estava de serviço, do género:

— Eh pá, o melhor é espetar talas neste gajo todo, pois, c’um camano, o gajo está todo partido. Nem um osso se lhe aproveita.

Ou então era costume tratar o pessoal do hospital assim:

— Caros colegas, se não fosse eu a arranjar matéria-prima, vocês passavam o tempo todo a coçar a micose.

Rapidamente ficou baptizado com o nome que ainda perdura.

No quartel as coisas também não eram diferentes.

Um dia, numa altura em que foram instalados em todas as ambulâncias meios de comunicação, Doutor Bombeiro assim que ia fazer algum serviço, ia sempre a falar com a central:

— Daqui AM 1, transmita.

E a malta da central respondia:

— Ouve lá pá, transmita o quê? Vê lá se te calas.

— Então transmito eu. Dentro de algum tempo, não sei bem quando, estarei aí. Cumprimentos ao pessoal todo.

Até que um dia aconteceu uma que foi devidamente registada no grandioso livro da bombeirada “O Gralhómetro”.

Tendo recebido um telefonema a solicitar uma ambulância na estação do caminho de ferro, porque ao que parece um indivíduo decidiu medir forças com um comboio, ou como diz o povo, “foi marrar com um comboio”, Doutor Bombeiro arrancou do quartel a grande velocidade, como é apanágio da cultura bombeiral, e como sempre, agarrado ao rádio a comunicar com a central. Depois de recolhido o corpo, vinha em direcção ao hospital, quando os colegas da central, ansiosos para saber algum pormenor sobre o acontecimento, pela primeira vez, (diga-se de passagem), lhe perguntaram, via rádio, por pormenores do acidente.

E o Doutor Bombeiro tem a seguinte resposta:

— Eh pá, ainda bem que vocês não apareceram por lá, o comboio estava parado a uns bons cinquenta metros do local, e o resultado é o seguinte: transporto um cadáver em estado muito grave, muito grave mesmo.

Outra vez, numa altura de instrução aos candidatos a bombeiros, que são apelidados pelo sugestivo nome de “maçaricos” aconteceu o seguinte:

Doutor Bombeiro estava encarregue de falar sobre materiais perigosos em matéria de combustão, e decidiu exemplificar com um bocado de gasolina num copo de vidro. Acendeu aquilo e logo houve uma pequena explosão que obrigou Doutor Bombeiro a largar o copo. A gasolina, a arder, espalhou-se pelo chão da sala, que por acaso até era de madeira. Ou seja, rapidamente surgiu um fogo em pleno quartel dos bombeiros. Como a “maçaricada” ainda não sabia apagar fogos, porque estava a aprender e nesse dia não aprendeu nada, ou melhor, aprendeu a fugir rapidamente do local, foi necessário tocar a sirene e chamar reforços. Passado um bocado era ver a malta a correr em direcção ao quartel, todos vermelhos do esforço de chegar depressa e perguntar:

— É fogo “adonde”?

— No quartel.

— Em qual quartel?

— Neste, porra!...

— Ah, também me parece, cheira aqui tanto a fumo, c’os diabos.

E então vestiam rapidamente a farda de combate a incêndios, e como estavam tão habituados a esta rotina, de seguida enfiavam-se dentro dos carros. Depois ouviram-se gritos do Doutor Bombeiro a mandar sair o pessoal dos carros, que os carros não precisavam de se deslocar, porque o fogo era ali, no quartel, e eles tinham era de pegar nas mangueiras e por aí fora.

Já aí a coisa esteve tremida, face aos avultados prejuízos provocados. Mas como se tratava de um chefe, apesar de ser uma figura cromática, a coisa passou.

Acabou, como já disse, quando decidiu substituir a fonte local na campanha eleitoral.

Só e abandonado, que é como toda a gente se sente depois de abandonar uma organização, após ter passado por lá vários anos, decidiu a sua sorte a solo. Entre várias sugestões de amigos, e depois de estudar muito bem a situação, optou por comprar em décima oitava mão um carrinho de fazer pipocas, e dedicar-se de alma e coração à actividade empresarial. Passou uma semana a pintar e a modernizar a maquineta, pois o marketing era necessário, e graças ao seu insucesso escolar, conseguiu colocar um cartaz no topo da carripana, que dizia o seguinte: “Mánica de Pipóicas”. E mandou fazer na tipografia uns panfletos para distribuir a quem comprava pipocas, que além de ter a sua fotografia estampada, tinha o seguinte slogan : “Coma pipóicas do Doutor Bombeiro e seja feliz sem dinheiro”.

Começou então a calcorrear todas as terras, vendendo pipocas e tentando esquecer toda a sua existência anterior.

O pior é que o bicho bombeiral não o largava. Quando tocava a sirene, Doutor Bombeiro nem pensava duas vezes. Estivesse ou não a aviar pipocas, largava tudo e desatava a correr.

Chegou a estar a vender pipocas numa terra a cem quilómetros da sua, quando um dia começou lá a tocar a sirene desenfreadamente. Deveria ser coisa grave, pois claro. Doutor Bombeiro começou de imediato a correr, atrás dos outros que via passar em direcção do quartel. Quando lá chegou, (e como tinha sido chefe na sua corporação, e estas coisas não se esquecem de um dia para o outro), começou logo aos berros a dar ordens. De repente calou-se, pois via toda a gente a olhar para ele de forma muito séria. De nada valeu explicar que tinha sido chefe de bombeiros na corporação das não sei quantas. Teve que fazer o percurso inverso à mesma velocidade, se não mesmo superior.

Com este tipo constante de abandono da carripana das pipocas, mais tarde ou mais cedo tinha de ter um desgosto, pois claro.

Um dia tocou a sirene e mais uma vez, inconscientemente, lá arrancou para o quartel, deixando o carrinho desamparado no meio da rua. Quando regressou, o carrinho tinha desaparecido. Doutor Bombeiro nem queria acreditar. Como era possível tal acontecimento? Fartou-se de andar á procura, correu a terra de lés-a-lés, e quando já estava prestes a desistir, caia já a noite, para sua admiração, vê o carrinho ao longe, no meio de um acampamento de ciganos, onde a miudagem se divertia a tentar pôr a funcionar a maquinaria milagrosa que transformava milho que eles próprios davam às galinhas, naquelas coisas fofas e doces que eram o delírio da miudagem.

— Então, mas o que é isto? Quem vos deu ordem para roubar a minha carripana? — Gritou Doutor Bombeiro, exasperado com a situação.

Apareceram logo meia dúzia de ciganos corpulentos, que se dirigiram de imediato para o pé de Doutor Bombeiro.

— Ai mãe, qué quele diz? — Perguntou um cigano.

— Ai Lello, tá incomodando as crianças, tu nã vês? — Respondeu outro cigano.

Doutor Bombeiro apercebeu-se que a coisa podia complicar-se, pelo que decidiu usar toda a sua diplomacia para que as coisas corressem bem.

— Com que então a tentar fazer pipocas, não é? — Disse. — O problema é que esse carrinho é meu e só eu é que sei pô-lo a funcionar. O melhor é vocês devolverem-mo, o que acham?

— Ai mãe, Lello, qué quele diz? — Perguntou outro cigano, com um aspecto de ser o chefe. — Antão ele nã precebe que nós tamos habituados a que nos dêem tudo? Se nos dão casinhas, nos dão rendimento mínimo, nos deixam conduzir sem carta, antão nã podemos ter uma maquineta de pipoicas?

— Ah, mas se o problema é esse, eu tenho já aqui uma proposta — retorquiu Doutor Bombeiro, antes que a coisa azedasse.

E começou a conferenciar com a ciganada toda e chegou a um acordo. Ficou toda a noite a fazer pipocas, de borla, para todo o acampamento, e ao princípio da madrugada conseguiu pisgar-se sorrateiramente, enquanto os ciganos ressonavam a uma só voz à volta da fogueira.

De regresso ao seu poiso, ia pensando que, de verdade, ser vendedor de pipocas era uma actividade de grande risco. Tinha de pensar noutra alternativa.

E foi assim que ele apareceu nas instalações da Junta de Freguesia. Entendeu que era altura de cobrar o favor que tinha feito na altura das eleições, embora sem intenção. Tinha sido um acidente de percurso. O que é certo é que o actual Presidente de Junta, sem ter feito por isso, ganhou as eleições à sua custa, ou melhor, à custa da sua imbecilidade, e ele, o autor da proeza, foi escorraçado da corporação. Não é justo, não senhor. O senhor Presidente da Junta não tem o direito de ser o único a ter proveito duma situação, para a qual não contribuiu com nada. Portanto, no mínimo agradecesse e reconhecesse o feito inédito executado pelo Doutor Bombeiro. E era isso exactamente que ele, Doutor Bombeiro, iria exigir de Sua Excelência.

No meio do corredor, aguardava serenamente a reunião, quando viu sair D. Ermelinda com um ar muito estrambólico, a olhar muito séria para ele (poderia dizer-se apavorada), passando com as costas encostadas à parede de frente e a dizer baixinho:

“Por favor, não me faça mal, eu sou boa pessoa, nunca prejudiquei ninguém, e além disso tenho família que depende de mim, pelas cinco chagas de Cristo, tenha piedade de mim”.

Doutor Bombeiro ficou ainda mais apalermado do que o costume ao ver a atitude de D.Ermelinda.

— A mulher está completamente ché-ché, chalupa da mona, avariada do capacete, de certeza. — Pensou. — Pode ser que seja internada, entretanto, o que pode significar que a lugar dela esteja disponível cá para o je. Não me importava nada. Pressinto que hoje é o meu dia de sorte.

Ouviu-se então a voz trémula do Presidente da Junta a solicitar a presença de Doutor Bombeiro:

— Caro Doutor Bombeiro, seja bem vindo ás minhas humildes instalações. Só lhe peço que seja breve, porque ainda tenho que fazer umas visitinhas pela freguesia.

— Ó senhor Presidente, eu levo o tempo necessário que o senhor precisar para me ajudar, pois é disso que se trata. Preciso da sua ajuda, como o senhor já precisou da minha. À minha custa o senhor hoje é Presidente da Junta e eu fui corrido dos bombeiros, pelo que lhe venho pedir que me arranje um tacho num sitio qualquer, como forma de me compensar, o que acha?

— Meu caro Doutor Bombeiro — começou a falar de forma trémula o Presidente — isso não é fácil. Por mim, eu arranjava-lhe já qualquer coisa, só que não depende de mim. Como sabe...

— Ah, deixe-se lá de tretas, Presidente — atalhou Doutor Bombeiro — todos sabemos como esta coisa funciona. Já que está com alguma dificuldade de imaginação, eu vou lembrá-lo, vou-lhe dar uma pista: nomear-me o grande Director Geral do S.C.A.S.C.I.D.J.F.R.B.

— O Quê?! Meu Deus, mas disparate é esse? — Balbuciou o Presidente — Mas como é que disse?

— S.C.A.S.C.I.D.J.F.R.B., c’um camano — disse irritado Doutor Bombeiro — Seria um novo departamento, a ser criado por si, veja lá como as pessoas ficavam a admirá-lo pela enorme capacidade de desenvolver esta terra, onde eu seria o Director Geral.

— Mas o que é isso quer dizer? — Perguntou o Presidente.

— Então, está-se mesmo a ver. — falou Doutor Bombeiro — Quer dizer : Serviços Competentes de Análise Social e Comportamento Intra-Desviados da Junta de Freguesia de Ratazanas de Baixo.

— Preciso de um copo de água, com urgência — disse o Presidente, já muito amarelo e a sufocar de tanto nervosismo.

— É claro que para o cargo só alguém com um nível de cultura geral como eu terá capacidade para ser Director Geral — reafirmou com muita convicção Doutor Bombeiro. — Quer ver? Por exemplo, o senhor Presidente sabe qual é a velocidade da luz?

— Anh! O quê? Como? Meu Deus... — falava trémulo o Presidente.

— Trezentos mil quilómetros por segundo — falou Doutor Bombeiro, entusiasmado e convencido que estava a ser fantástico e persuasivo. — E sabe qual é a distância média da Terra ao Sol?

— Ai, minha Nossa Senhora me acuda... — balbuciou o Presidente.

— Qualquer coisa como cento e quarenta e nove milhões e meio de quilómetros. — Disse em voz alta Doutor Bombeiro. — E já agora, qual é a distância da superfície da Terra ao centro?

— Ai, ui, ai, ui, ai, ui... — eram as únicas palavras ditas pelo Presidente.

— Seis mil trezentos e setenta quilómetros. E qual é o segundo maior país do mundo? — Continuou Doutor Bombeiro.

O Presidente já tinha os olhos a revirarem-se e só conseguia emitir uns ruídos esquisitos.

— O Canadá, meu. — Disse entusiasmado Doutor Bombeiro. — E o maior lago do mundo, como se chama? Ok, não diga que não sabe, toda a gente sabe que é o Mar Cáspio. E a montanha mais alta de África? Ok, eu digo-lhe, não fique assim tão roxo e a babar-se, é o Kilimanjaro, toda a gente culta sabe. Como vê, eu sou a pessoa indicada para o cargo. Então, estou ou não admitido? Como? Não percebo nada do que está a dizer.

Doutor Bombeiro começou a achar estranho o comportamento do Presidente. Praticamente já estava quase no chão, todo roxo, a babar-se e a gesticular na direcção do telefone. Doutor Bombeiro achou por bem aproximar-se para tentar perceber o que se passava com o raio do homem. E ouviu o Presidente balbuciar baixinho: “Cento e doze, liga o cento e doze”.

— Para director do cento e doze? — Perguntou Doutor Bombeiro — Também serve, aliás isso era ouro sobre azul, pois sabe muito bem a minha competência como bombeiro, o meu gosto por salvar vidas humanas. Senhor Presidente, fico-lhe muito grato por me ter arranjado esse trabalhinho. Já agora, e a malta lá dos bombeiros, não se vai chatear? Afinal de contas, deram-me um chuto no cu recentemente.

E voltou a aproximar-se do Presidente para ouvir a resposta, que continuava, embora mais ténue e débil a ser: “Cento e doze, por favor, liga para o cento e doze...”

— Ok, tá bem, se insiste, eu vou para director geral do cento e doze. — Disse feliz Doutor Bombeiro. — E não o chateio mais, vou-me já embora, que você ainda tem de fazer umas visitinhas à freguesia.

E levantou-se para se ir embora, embora achasse estranho o comportamento do Presidente.

— Tem a certeza que se está a sentir bem? — Perguntou Doutor Bombeiro ao Presidente.

Do outro lado da secretária, ouviu apenas um grunhido de dor.

— Ok, não insisto, vou-me já embora. Não se esqueça. Amanhã apresento-me no serviço de emergência médica, para assumir as minhas funções. Boa noite — despediu-se Doutor Bombeiro, deixando o Presidente em agonia completa.

A sorte do Presidente foi a D. Ermelinda ter chegado entretanto, pois com o pânico gerado pela presença do Doutor Bombeiro, tinha-se esquecido dos óculos. Ao chegar a casa, não conseguiu fazer o jantar, pois não conseguia distinguir as lentriscas das febras. Ao deparar com o estado do Presidente, chamou a emergência médica e o Presidente, se ainda hoje exerce o cargo, á D. Ermelinda o deve.

Quanto ao Doutor Bombeiro, teve de fugir de vez, pois caso continuasse a viver por lá, iria concerteza necessitar diariamente do cento e doze, não como director geral, mas como utente. Nunca mais ninguém ouviu falar dele. Desapareceu sem deixar rasto.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Dizem que é uma espécie de melhor colégio do mundo… (e arredores, penso eu de que…)


Em Louricalix, o ambiente ainda fumegava um pouco para os lados do Colégio do Dr. Calvário. Habituados ao ambiente conventual da pacata terra, os dirigentes do referido colégio reagiram mal a um simulacro do PREC, protagonizado por uns pais, (meio desvairados na opinião dos referidos dirigentes), que decidiram preocupar-se com o percurso escolar dos seus filhos, tal como tinha sido pedido por Sua Excelência o Senhor Presidente da República, num discurso feito no 25 de Abril… ou talvez no 10 de Junho. Ou seria no 5 de Outubro? No S. Martinho é que não foi, de certeza... No dia de Ano Novo? Talvez. Bom, adiante, isso agora é irrelevante. Para quem não estava habituado a arritmias cardíacas, este simulacro do PREC foi uma espécie de «vai lá vai, que até a barraca abana…».

No ambiente habitual de “cortar à faca” do Colégio do Dr Calvário, um interessante diálogo desenrolava-se na sala da direcção pedagógica:

— Já não há pais como antigamente. Não acha, querida colega?

— Ai filha, não me diga nada. Este ano nem festa de Natal organizaram…

— E o peditório para a Cerci?

— Nós, que tínhamos os melhores pais do mundo e arredores, que organizavam o jantar de Natal, o peditório para a Cerci e ainda participavam na semana cultural com doces e compotas, este ano deu-lhes a maluqueira e começaram para aí a querer discutir o «projecto pedagógico»…

— Como se isso existisse, querida…

— Existisse o quê, filha?

— Então querida, o «projecto pedagógico»…

— Ah, pois claro, sim… quer dizer, concerteza… ou melhor, o que é isso de que eu nunca ouvi falar?

De repente um barulho interrompeu este belo, lindo, magnífico e interessante diálogo.

Truz... truz... truz...

— Quem é? Entre, que a porta está aberta, aliás está sempre aberta para todas as criancinhas..
— Xou eu, o T' Zé Broa

— O que é que a excelência deseja? A sua sorte é este colégio ser inclusivo e não elitista, senão já estava...

— Tão, mas voxa exência não apregou para os pais virem botar faladura quando a coisa está preta?

— Só me faltava mais esta... Diga lá, homem, o que é que quer?

— A'nha cachopa nam pisca nada de matemática, e queixa-se da shódoutoura não lhe conseguir ensinar...

— Era o que mais faltava. Agora um professor ensinar um aluno. O sucesso da escola começa em casa, ouviu homem? Você é que tem de ensinar a sua filha a perceber de matemática, não é o professor. Aliás, quem diz matemática, diz português, física, química, ciência, mecânica, evt, educação física, religião e moral, enfim, tudo...

— Tão, mas eu nam estudei nada, como é que póxo ajudar a catraia? Tem de ser a escola, c'os diabos...

— Já lhe disse que o problema da escola são os pais, que não percebem nada de nada. Depois querem que a escola ensine convenientemente os seus filhos. Como se isso fosse possível nos tempos que correm. Olhe, gaste mas é os tostões que tem debaixo do colchão em explicadores, pode ser que resulte...

— Enam, para isso a cachopa não prexixa de vir à escola. Fica lá a guardar a Clarissa, a vaca leiteira...

— Ó homem, então e depois? O que fazíamos ao pessoal que trabalha nos bares? Despedíamos toda a gente, não era? Os garotos têm de vir à escola, naturalmente, mas é para fazermos notas, não é para aprender.

— Raios t'a pardal, se eu entendo alguma coixa disto...