terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O Conclave

A esta hora o aeroporto vive apinhado de multidões eufóricas. Gente de todo o lado, de todos os credos, de todas as raças, percorrem desenfreadamente todo o espaço disponível. Têm apenas uma pequena coisa em comum: estão todos ligeiramente atrasados para apanhar os respectivos voos. Mas isso acaba por ser perfeitamente normal neste enorme aeroporto, plantado na periferia da grande cidade.
Também é normal, nos tempos que correm, o facto de o aeroporto ser a casa de habitação de centenas de pessoas, (escrevi bem, pessoas), marginalizadas pelos infortúnios da vida ou muitas vezes vítimas do seu próprio percurso. O aeroporto acaba por ser uma espécie de sandes mista, onde se encontra um pouco de todos e um pouco de tudo.
Apesar deste caótico cenário de deslocação de multidões, existem sempre dois tipos de personalidades que se distinguem perfeitamente no meio da amálgama de corpos circulantes. Nunca saberemos, ao olhar para toda a gente, distinguir onde estão médicos, engenheiros civis, motoristas, padeiros, professoras, etc. Mas rapidamente distinguimos dois tipos de pessoas no meio da multidão. Os polícias e os padres.
O Cardeal Nascimento, de origem brasileira, aguardava calmamente no sítio previamente combinado. Distinguia-se perfeitamente no meio da multidão pelas suas vestes características e pelo ar sereno e tranquilo que transparecia no seu rosto, em contraste evidente com o rosto de toda a gente.
Tinha feito uma viagem tranquila desde S. Paulo, no Brasil, até Lisboa. Durante o tempo de voo, foi rezando baixinho, pedindo a protecção de Deus para o grande desafio que tinha pela frente nos próximos dias. Era a primeira vez que estava “metido” numa situação destas, pelo que as dúvidas e receios que se tinham abatido sobre si próprio eram de tal forma avassaladoras, que só com um forte silêncio interior, conseguido apenas com a prática da oração, lhe permitia enfrentar serenamente a situação.
Mais três figuras clericais se aproximaram do sítio onde estava o Cardeal Nascimento, em simultâneo, e com o mesmo passo calmo e descontraído que contrastava com a agitação do aeroporto. Um deles era de raça negra. Chama-se Bowen, tinha pouco mais de setenta anos, e era um dos cardeais mais estimado em todo o continente africano, pela luta constante em prol dos direitos humanos e ter desenvolvido uma luta pacífica pelos direitos dos povos à sua autodeterminação. Hoje a sua principal preocupação é o endividamento do chamado terceiro mundo ao mundo dito civilizado, bem como alertar para o facto de o terceiro mundo ser uma espécie de caixote do lixo das grandes potências mundiais. Tal como o Cardeal Nascimento, era a primeira vez que o Cardeal Bowen iria participar no grande evento que iria decorrer no Vaticano nos próximos dias. Os outros dois eram, respectivamente, americano e português.
Proveniente de Boston, o Cardeal Reilly era o mais novo de todos. Tinha um ar jovial e forte sentido de humor. Praticar o cristianismo num país como a América, era um desafio gigantesco, mas Reilly, pessoa de fortes convicções, conseguiu consolidar uma Igreja, que já era marcante na sociedade americana. Reilly não é profundamente admirador das linhas dogmáticas provenientes da Santa Sé. Mantinha-se na linha dos chamados renovadores, seguidor portanto daqueles que defendem alterações profundas na orientação do Vaticano, nomeadamente defendendo a plena integração da mulher nas actividades da comunidade, nomeadamente o acesso ao sacerdócio, a possibilidade de os padres poderem contrair matrimónio e uma reviravolta no que toca à visão do Vaticano relativamente à sexualidade. Basta isto para percebermos que se trata de um cardeal “persona non grata”, ou pelo menos visto com alguma reserva por parte das hostes eclesiais. Considerado um subversivo ao dogma reinante por parte da Congregação para a Doutrina da Fé, foi alvo de várias tentativas de silenciamento, valendo-lhe o facto de a Igreja americana ser a pricipal financiadora da Santa Sé, e como os cofres do Vaticano não andavam de grande saúde, os “inquisidores” tiveram de ser tolerantes com o Cardeal Reilly.
O último cardeal é português. Viriato da Fonseca de seu nome, tem como principais características ser calmo e sereno. Intelectualmente é muito forte, (considerado até um dos mais brilhantes cardeais da actualidade), e tem tido um papel preponderante no diálogo entre as igrejas periféricas da Europa (América Latina, África e América do Norte) e a Santa Sé, que se tem mantido pregada aos seus dogmas e fiel a uma grande incapacidade de diálogo. Há quem o aponte como um dos grandes candidatos a sucessor do Grande Papa, recentemente falecido, exactamente por esta capacidade de intermediação, cada vez mais necessária. Atento ao mundo que o rodeia, vai largando, aqui e acolá, algumas dicas a favor de alguns temas mais controversos, mas sem se comprometer muito, ganhando assim simpatia entre gregos e troianos.
Foi este cardeal português a ter a ideia de marcar este encontro, antes do grande conclave, que se irá realizar dentro de dias. E o motivo é muito simples: discutirem abertamente entre eles, representantes de sensibilidades tão distintas e tão próprias no seio da Igreja Católica, todos os temas e situações que entendam pertinentes, e que os ajude a uma melhor reflexão, para que a escolha do sucessor de Pedro seja feita mais de acordo com os interesses da Igreja global e menos de acordo com os interesses de grupos e organizações internas.
Cumprimentaram-se cordialmente. Após a normal troca de queixumes simpáticos sobre as longas viagens feitas até Lisboa, dirigiram-se até à zona de embarque, pois eram já aguardados pela tripulação do jacto particular que os levaria a Roma. Seria na viagem, resguardados de outro tipo de passageiros, que dariam inicio à discussão combinada.
— Todos nós estamos empenhados em dar um contributo válido, transformador, na nossa Igreja. — começou por falar o Cardeal português — É essa a razão de nos encontrarmos juntos, neste momento. Todos temos consciência da forma avassaladora com que o mundo nos confronta diariamente com novos desafios aos valores do cristianismo. E por vezes sentimos que a nossa Igreja, (e não estou só a falar do clero, estou a referir-me também ao desempenho de todos os cristãos em geral), nem sempre responde de forma a ser bem interpretada. Gostaria, em primeiro lugar, de partilhar convosco uma pequena história que ilustra bem, na minha opinião, o problema da secularização, que é de facto, um dos maiores entraves a uma militância que se coloque mais perto dos desafios do mundo contemporâneo. Esta história ouvia-a em Coimbra, uma bela cidade portuguesa, em 1986, nos encontros Fé e Cultura, e nunca mais a esqueci.
“Há muitos anos, centenas decerto, certo guru, antigo, na Índia, sempre que reunia os seus iniciados para a oração da tarde, aparecia um gato, que passeando entre os orantes, perturbava a função. Um dia decidiu-se, logo que tocasse o sino da reunião, passar a prender o gato durante o tempo da oração, soltando-o a seguir. Passou o tempo, o guru morreu, morreu o gato, o tempo foi-se passando, novas gerações de gurus vieram, bem como novas gerações de iniciados e outros gatos, e se lá formos hoje, reparamos que quando toca o sino da reunião, toda a gente prende o seu gato. Com uma pequena diferença: é que hoje ninguém sabe porque se prende o gato.”
É bom que no presente e no futuro, se saiba porque fazemos certas coisas, para que não se perca a identidade. Todos nós temos as nossas comunidades, onde uma grande maioria dos crentes se limita a cumprir toda a tradição recebida sem saber o porquê, a razão da existência da referida tradição. E haverá naturalmente casos em que determinadas acções poderão ter feito sentido numa época e que hoje nem se justificam, pelo menos na forma como são praticadas. E depois ainda aparecem definições ainda mais mirabolantes, como por exemplo, ser católico não praticante, o que é um absurdo. Se somos católicos, temos de ser forçosamente praticantes. Isto é como ser nudista não praticante, desculpem a expressão. Ou se é ou não se é. Penso que um dos principais desafios da nossa Igreja é interiorizar este fenómeno e transformá-lo de forma a que os valores cristãos não tenham sentido ou fiquem desfigurados por práticas de culto pouco apelativas e desprovidas de sentimento.
— Estou em total concordância consigo — falou o Cardeal brasileiro — e julgo que aí reside uma das razões do afastamento, ou pelo menos, do menor interesse da juventude pela nossa Igreja. Muitas vezes assisto a criticas exacerbadas à juventude, porque o seu comportamento está longe daquilo que gostaríamos que fosse, porque a sua irreverência nos incomoda, porque demonstram uma quase total ausência de valores. No entanto, uma eucaristia com a participação activa de jovens adquire uma energia, uma vitalidade, uma dinâmica, uma força tão grande, que é um grande erro desbaratar este potencial. Quando falamos em juventude, temos de pensar que os grandes responsáveis pela atitude dos jovens perante a vida somos nós, porque somos nós, gerações mais velhas, que os educamos, formamos, lhes transmitimos valores, Eles são fruto da nossa realidade. Eu costumo, em encontros cristãos sobre a juventude, colocar à análise dos formandos, quatro frases que são sintomáticas daquilo que acabo de dizer, e vou também partilhá-las convosco:
1 - “A nossa juventude ama o luxo, é mal educada, zomba da autoridade e não tem nenhuma espécie de respeito pelos velhos. As crianças de hoje são tiranas. Não se levantam quando um velho entra numa sala, respondem a seus pais e são simplesmente más.”
2 - “Não tenho nenhuma esperança no futuro do nosso país, se a juventude de hoje toma o mando amanhã, porque esta juventude é insuportável, sem moderação, simplesmente terrível.”
3 - “O nosso mundo atingiu um estado crítico. Os filhos não escutam os pais. O fim do mundo não pode estar longe.”
4 - “Esta juventude está podre desde o fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Não serão nunca a juventude de outrora. Os de hoje não são capazes de manter a nossa cultura.”
Naturalmente, custa-vos a estar de acordo com estas frases, mas concerteza já ouviram coisas muito semelhantes, e continuarão a ouvir. Apenas por curiosidade digo-vos que a primeira frase é de Sócrates, que viveu como sabem cerca de 470 A.C., a segunda frase é de Hesíodo que viveu 720 A.C., a terceira frase é de um sacerdote egípcio, cerca de 2000 A.C. e a quarta frase foi descoberta numas ruínas da Babilónia com cerca de 3000 anos. Apetece dizer: a juventude de hoje...
Como vêem, o fenómeno da juventude não é um desafio novo. Nós é que não o sabemos entender, e possivelmente não estamos preparados para o fazer. Não sabemos aproveitar o seu sentido de justiça. A juventude é muito sensível à discriminação, à injustiça social, à pobreza, à ganância. São mais sensíveis à partilha, ao amor, a viver a vida com intensidade. E se por vezes se perdem, é porque não lhes apontamos o caminho.
— Plenamente de acordo — disse o Cardeal africano — É no meio do mundo que devíamos estar e não enfiados nos templos, supostamente a agradar a Deus, e a cultivar apenas o ritual e o devocional, insensíveis às questões da justiça e do sofrimento humano. Já Aristóteles dizia : “O homem só é feliz quando pode desenvolver e usar todas as suas faculdades e capacidades”. No meu continente, isto não passa de uma miragem, ou melhor, de ficção científica. É difícil pregar o evangelho da forma dogmática que a Santa Sé deseja. Quando somos confrontados com mais de quatro milhões de refugiados em África, com uma degradação galopante do tecido social da humanidade, com milhões de pessoas sofrendo sob a miséria e a pobreza, tendo ao lado uma minoria que acumula riqueza e bem-estar. Quando somos confrontados com anos e anos de guerras intermináveis, com a maior taxa de mortalidade infantil, quando morrem aos milhares pessoas com doenças cuja cura existe há décadas, como é que podemos falar de um Deus que os ama? Uma vez, num hospital visitei crianças órfãs, estropiadas pela guerra. Uma disse-me assim: “já nada me interessa. A minha maior dor não é ser órfão de pais, é ser órfão de Deus”. Só através de comunidades de base, onde a solidariedade, a partilha prevalecem, é que tem sido possível fazer algo positivo. Temos de nos empenhar com a dimensão humana onde brotam valores de solidariedade, generosidade, dádiva. Temos de nos empenhar no respeito pelas diferenças culturais e até raciais. A propósito, e a título de brincadeira, vou partilhar convosco o seguinte: pouco antes de embarcar para vir ter convosco, fui abordado por muita gente, de todo o lado, que me diziam ter muita fé e esperança de eu vir a suceder ao Grande Papa. A Igreja, diziam, precisa de um Papa africano, para lhe dar uma dimensão mais humana. Eu, interiormente, ri-me. Imaginem um Papa negro. Mais de metade das beatas da Europa tinham uma síncope cardíaca. Não, a Igreja não está preparada para ter um Papa negro.
— Nem para isso, nem para muito mais — interrompeu o Cardeal americano — Aliás, como já referiram, a Igreja está agarrada a pensamentos e atitudes centenárias, muitas delas com origem em decisões tomadas em concílios, que foram realizados muito mais tarde à sua fundação, e que distorcem por completo a acção de Jesus Cristo. E isso torna muito difícil uma evangelização para o século XXI, uma vez que as pessoas hoje em dia têm já uma informação global sobre o mundo, têm mais cultura, além de ter outras propostas de vida mais fáceis e atraentes, naturalmente mais ilusórias. Talvez seja altura de colocar à reflexão deste grupo mais dois ou três aspectos ainda não referidos. Em primeiro lugar, a mulher. A forma como a Igreja, sociedade patriarcal e autocrática, vê a mulher.
A mulher, apesar de todo o discurso reinante ser de valorização e respeito, continua a não ser reconhecida como capaz ou apta a exercer as mesmas funções que o homem, na Igreja. Isto, como podem imaginar, no meu país é inconcebível. Eu próprio não aceito. Há uns tempos tive de resolver um pequeno problema numa paróquia. Um padre jovem, muito estimado pela população, foi transferido para outras funções, por absoluta necessidade da Diocese. Nunca passou pela cabeça de ninguém que a população se revoltasse. Ao ser colocado um outro padre, cujo perfil era idêntico ao anterior, a população levou imenso tempo a adaptar-se, mais por protesto do que por outra coisa qualquer. Passado algum tempo, o vigário da zona reuniu-se com algumas pessoas para avaliar a situação. Numa fase mais ou menos tensa da reunião, o vigário, inadvertidamente afirmou que aquela paróquia nem deveria reclamar muito, porque nunca “tinha dado nenhum padre à Diocese”, ou seja, nunca ninguém daquela paróquia tinha seguido a vocação sacerdotal. Então um homem respondeu-lhe: “Sr Vigário, acho injusto a sua afirmação. Sempre tive o maior empenho de que quando me nascesse um filho ele seguisse a vocação de sacerdote. Era o meu maior orgulho. Por ironia do destino, ou porque efectivamente Deus assim quis, assim me destinou, nasceram duas raparigas. Que culpa tenho eu de vocês só quererem rapazes?”
O vigário teve de se calar, claro. No mundo actual, onde a mulher tem já uma predominância na sociedade, em todas as áreas, não se compreende esta marginalização.
— Bom, então se falamos na mulher, teremos que abordar outro assunto que também está na ordem do dia. — falou o Cardeal brasileiro — A sexualidade. A nossa Igreja construiu uma neurose, senão mesmo um desequilíbrio sério à volta da sexualidade, por influências do Gnosticismo e do Maniqueísmo. À custa desta herança, construiu-se a ideia, já bem enraizada, de que as relações sexuais entre um casal, na melhor das hipóteses são toleráveis face à procriação, e na pior das hipóteses, um sinal do mal perpétuo que habita o mundo. E depois, ao longo da história da Igreja, tivemos diversos exemplos que ajudaram a denegrir a sexualidade. Marcião, Cristão Gnóstico, permitia o baptismo apenas às virgens, viúvas e casais que concordassem renegar ao sexo. Tatiano achava que o acto sexual era uma invenção do Demónio e achava que a vida cristã era impensável para lá dos limites da virgindade. Ora, a sexualidade conjugal é um factor determinante para a boa harmonia do casal. Todos nós sabemos isso. Eu costumo dizer que tomara eu que todos os casais que me procuram com problemas sérios de divórcio fizessem amor todos os dias. Quebravam as barreiras do orgulho, da distância, aumentavam os níveis de afectividade e sobretudo de cumplicidade. Temos de alterar estes pensamentos negativos à volta da sexualidade. Ao invés, devemos esforçarmo-nos por divulgar a ideia de sexualidade responsável, tendo em vista o amor e a harmonia. A sexualidade só é má quando é mal utilizada, quando em vez de promover a estabilidade afectiva entre os casais, provoca exactamente o contrário. Os desvios que a sexualidade pode trazer, nomeadamente a pedofilia tão em voga ultimamente e que também nos tem sido extremamente cara, resultam muitas vezes da imagem distorcida que nós, Igreja, ajudámos a criar. Também contribuímos para ela. A mensagem que tem de ser transmitida é que a sexualidade responsável torna os casais mais felizes. Casais mais felizes tornam famílias mais felizes e famílias mais felizes permitem o crescimento mais saudável de indivíduos. E indivíduos mais felizes fazem sociedades mais felizes, menos problemáticas.
— Sem dúvida. — retorquiu o cardeal americano — A sociedade americana, como sabem, vive sempre o dilema da sexualidade, por vezes levada ao extremo, exactamente por uma questão de afirmação perante respostas tão intolerantes e tão drásticas que nós por vezes damos. E como sabem, a pedofilia tem sido uma caso sério na Igreja americana, não vale a pena escamotear a situação. E isso leva-nos a pensar na sexualidade do clero. Há uns tempos, ao reler determinadas obras que estudei no tempo de seminário, altura em que não tinha espirito critico sobre nada, aceitava de boa mente toda a informação e formação prestada no seminário, como sendo toda a suprema vontade de Deus, dei com um pouco da história sobre o celibato imposto aos padres. Foi exactamente a partir das ideias de desconfiança quanto ao sexo conjugal que a partir do século quarto a Igreja decretou leis proibindo os padre de terem relações sexuais com as respectivas mulheres, ou de terem filhos. Isto significa que no inicio da formação da Igreja, este problema nunca se colocou, e os padres tinham uma organização afectiva igual à de todos os homens. Curiosamente, todos os padres que a partir desta decisão se recusassem a cumprir, corriam o risco de espancamentos públicos, prisão, demissão do sacerdócio e inclusivamente invalidação dos casamentos, ficando as mulheres e os filhos reduzidos a escravos da Igreja. Estão a ver o que custa explicar esta situação aos jovens de hoje, tendo como base tudo isto que acabei de relatar. Não faz sentido nenhum, é um perfeito disparate e é altura de analisarmos esta questão com muita idoneidade. Possivelmente, se já tivéssemos tido a coragem de o fazer, ter-me-ia poupado alguns dissabores bem recentes.
— É claro que a questão do padre se casar ou não, deverá sempre ser uma decisão pessoal. — afirmou o cardeal africano — E todos temos funções importantes a desempenhar, sendo casados ou não. É uma questão de a Igreja reflectir profundamente sobre novos modelos de evangelização, e não estar agregada a modelos já gastos e cansados. Outro aspecto importante a reflectir: vivemos num tempo em que o dinheiro se impôs à maioria das pessoas como o valor primeiro e absoluto, o deus por excelência. Mesmo na nossa Igreja, grande parte dos seus membros com responsabilidade prestam culto sem se dar conta que ele é um Deus-Demónio, devorador de vidas que jamais se dá por satisfeito. Temos de assumir que a verdadeira “religião” é a opção pelos pobres, que são cerca de oitenta por cento da população mundial. É aí que Jesus faz sentido e falta. E é essa também uma das mensagens que temos de fazer valer neste Conclave, a par de todos os outros temas que aqui partilhámos.
Todos acenaram com a cabeça em sinal de concordância. Todos sentiam uma necessidade enorme de a Igreja se virar mais para o Homem, estar mais perto da realidade, para a poder transformar.
O avião estava já na fase descendente, pelo que todos fizeram um pacto de silêncio à volta da conversa tida neste voo. Prometeram ficar fieis a estas ideias e tentar difundi-las de forma cautelosa no Conclave, embora todos sentissem que a estrutura ainda estava muito longe da abertura necessária para que algo mudasse. Mas isto seria o principio, seria o fermento que iria levedar a massa. Sobre isso ninguém tinha dúvidas. Ninguém.

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